POSIÇÃO PRONA


Estratégias que utilizam a seleção de decúbitos, como forma de tratamento e prevenção de várias enfermidades que acometem o aparelho locomotor de pacientes acamados e gravemente doentes, já são amplamente conhecidas e rotineiramente utilizadas na grande maioria das unidades de terapia intensiva do mundo. Com o crescente interesse dos possíveis efeitos fisiológicos que a mudança de posição pode trazer nesses doentes, estudos procurando outros benefícios em outros órgãos e sistemas foram realizados e novos achados foram encontrados, em especial no sistema cardiorrespiratório.

Outros trabalhos comprovaram a utilização da mudança de decúbitos laterais como forma de melhorar a oxigenação em lesões unilaterais, além de prevenir outras complicações associadas à imobilização como a formação de atelectasias, acúmulo de secreções e aumento no tempo de intubação. Mais recentemente, a posição prona também mostrou sua utilidade, provando ser capaz de melhorar a oxigenação em pacientes com a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Novos estudos interessados nessa posição têm surgido e essa técnica vem se mostrando um método simples e seguro de incrementar a oxigenação dos pacientes com SDRA.

O efeito fisiológico mais importante da posição prona é a melhora da oxigenação, que ocorre em cerca de 70% a 80% dos pacientes com SDRA. Essa melhora da oxigenação pode ser atribuída a vários mecanismos que podem ocorrer isolados ou associados. Dentre eles, estão a diminuição dos fatores que contribuem para o colabamento alveolar, a redistribuição da ventilação alveolar e a redistribuição da perfusão.

Diminuição dos efeitos de compressão que favorecem o colabamento alveolar (atelectasia) Qualquer que seja o posicionamento de um indivíduo, a expansão alveolar é sempre dependente da pressão transpulmonar, que é a diferença entre a pressão alveolar e a pressão pleural. Independentemente de o pulmão apresentar ou não lesão, a pressão pleural é sempre maior nas regiões dependentes do pulmão (menos negativa), de modo que a expansão alveolar é menor nesta região.

Entretanto, na presença de edema pulmonar, a pressão pleural torna-se ainda mais positiva na porção dependente, o que agrava a diferença de pressões transpulmonares entre as regiões dependentes e não dependentes. Já em posição prona, a distribuição da pressão transpulmonar torna-se mais homogênea quando comparada à posição supina, pois a variação da pressão pleural entre a região dependente e a não dependente é menos acentuada.

O motivo pelo qual o gradiente de pressão transpulmonar se comporta desta forma nas diferentes regiões pulmonares não está plenamente esclarecido, mas pode ser atribuído a diversos fatores:

Peso pulmonar: Como o processo patológico da doença é uniforme em todo o pulmão, o edema pulmonar faz o peso pulmonar aumentar, o que, somado à ação da gravidade, faz com que as regiões dependentes sofram colapso. Desta maneira, em posição supina, a região dorsal é a mais colapsada. Ao se pronar o doente, a região dorsal não sofre mais ação do peso pulmonar, de modo que se torna mais expandida.

Massa cardíaca: Em indivíduos normais, o peso do coração sobre regiões dependentes do pulmão diminui o gradiente de pressão transpulmonar, exercendo grande influência na aeração destas regiões, o que facilita o seu colabamento. Nos pacientes com SDRA, este efeito pode ser ainda mais acentuado, devido ao aumento da câmara cardíaca direita secundária à hipertensão pulmonar decorrente da vasoconstrição hipóxica, liberação de substâncias vasoconstritoras e remodelamento da circulação pulmonar. Estudos tomográficos em posições prona e supina compararam as áreas pulmonares que estavam sob compressão cardíaca e mostraram que ao contrário da posição supina, que tinha considerável fração de ambos pulmões sob peso cardíaco, na posição prona apenas uma pequena fração de ambos pulmões estava sob este efeito.

Alteração da mobilidade diafragmática e desvio cefálico do conteúdo abdominal: Em humanos, o movimento do diafragma na posição supina é uniforme enquanto que na posição PRONA ocorre maior movimentação da região dorsal. Este fato ocorre porque, provavelmente, a compressão do diafragma pelos órgãos abdominais se torna menor. A sedação e a paralisia dos pacientes ventilados mecanicamente deprimem o tônus muscular diafragmático, fazendo com que o conteúdo abdominal induza a um desvio cefálico das regiões mais posteriores do diafragma em posição supina, o que contribui para o colapso destas regiões. Em posição prona, o peso do conteúdo abdominal fica repousado sobre a superfície do leito, diminuindo o desvio do diafragma.

Configuração da caixa torácica: A configuração da caixa torácica pode influenciar a pressão transpulmonar das diferentes regiões pulmonares. Na posição supina seu formato é triangular (ápice em cima), o que permite a formação de atelectasias mais extensas na região dorsal. Na posição PRONA ela assume uma forma mais retangular, de modo que a formação de atelectasias se torna menor.

Em pessoas normais, a perfusão aumenta progressivamente das regiões não dependentes para as dependentes (ventral para dorsal em posição supina), obedecendo à ação da gravidade. Apesar de, em indivíduos com lesão pulmonar aguda ou SDRA, outros fatores poderem interferir na distribuição da perfusão (vasoconstrição hipóxica, obliteração vascular e compressão venosa extrínseca), a perfusão em posição supina continua seguindo o gradiente gravitacional.

Outro fato que se espera que esteja alterado na posição prona é a mecânica respiratória, mas como ela se comporta?

A maioria dos estudos que compararam a mecânica respiratória entre as posições prona e supina não mostrou diferença na complacência do sistema respiratório. Entretanto, alguns autores encontraram redução na complacência toracoabdominal, que poderia ser explicada pela limitação da expansão da região anterior da caixa torácica, que é mais complacente que a região posterior, mais rígida. Por outro lado, outros trabalhos mostraram a melhora da complacência do sistema respiratório ao se reposicionar um indivíduo em posição supina, mostrando que algum efeito benéfico é trazido para a estrutura pulmonar. De alguma forma, ainda não esclarecida, a posição prona também aumenta a complacência abdominal.

Apesar de a melhora da oxigenação ser o principal benefício que a posição prona traz, outros também vêm sendo explorados.

A aplicação da PEEP vem sendo atribuída como forma de prevenção da lesão induzida pela ventilação mecânica, limitando a abertura e colapso cíclicos alveolares, apontados como um de seus causadores. Como evitar este estresse cíclico da estrutura pulmonar parece ser imprescindível na resolução dos casos de lesão pulmonar aguda, é de se imaginar que a posição prona poderia também contribuir.

A manobra de recrutamento alveolar é outra estratégia que vem sendo utilizada para atingir os objetivos conflitantes da estratégia protetora pulmonar, que é a utilização de baixos volumes correntes e a manutenção dos alvéolos aerados.

Apesar da manobra reduzir o estresse cíclico de colapso e abertura dos alvéolos, altos níveis de pressões aplicadas continuamente também podem trazer efeitos indesejáveis.

Até agora tratamos a posição prona como uma estratégia em que 100% das aplicações tivessem resultados positivos, mas o fato é que podemos encontrar três tipos de situações: os pacientes respondedores, os que não mantêm o ganho após serem reposicionados e, por último, os não respondedores.

Mas podemos prever quais pacientes irão ou não responder? Um pequeno número de estudos ateve-se a procurar preditores de resposta, e encontraram como fatores preditores de resposta o nível de PEEP aplicado, o tempo de ventilação mecânica prévio à manobra e a fração inspirada de oxigênio.

Outros fatores como idade, SAPS (escore), LIS (escore de lesão pulmonar) e volume corrente não tiveram significância.

Assim como nas manobras de recrutamento, é de se esperar que a resposta à posição prona seja maior na SDRA precoce, visto que nesta fase ocorrem mais edema e atelectasia de pulmões, que podem ser revertidos mais facilmente que na fase tardia, quando já existe fibroproliferação. Apesar deste fato, os resultados da literatura são controversos, o que sugere que mesmo na fase tardia ela poderá ser tentada.

Ainda não existe um consenso a respeito do tempo ideal para manter o paciente em posição prona. O que a maioria dos trabalhos tem em comum é uma resposta mais significativa na oxigenação nas duas primeiras horas com alguns pequenos acréscimos nas quatro horas seguintes. Há grupos que a aplicam por quatro, seis e dez horas, e recentemente tem sido empregada continuamente. Muitas vezes necessitamos manter o paciente em posição prona continuamente, pois, quando o recolocamos na posição supina, ocorre nova deterioração gasométrica.

Apesar de os efeitos benéficos da posição PRONA terem sido mostrados em várias patologias pulmonares, a mais estudada e a principal indicação é a SDRA. A utilização da posição prona pode ter diferentes objetivos. Caso o efeito desejado seja a melhora da oxigenação arterial, ela deve ser utilizada somente nas situações de necessidade de altas frações inspiradas de oxigênio, para conseguir a oxigenação adequada. Entretanto, caso o objetivo principal seja o de diminuir a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, a posição PRONA deve ser utilizada o mais rápido possível.

A posição prona é contra-indicada em casos de queimadura ou ferimentos na face ou região ventral do corpo, instabilidade da coluna vertebral, hipertensão intracraniana, arritmias graves ou hipotensão severa e, apesar da não contra-indicação, deve-se avaliar quanto à presença de cateteres de diálise e drenos torácicos.

São necessárias quatro pessoas para o posicionamento do paciente. Uma deverá permanecer na cabeceira do leito e será responsável pelo tubo endotraqueal. É aconselhável que esteja preparada para realizar aspiração da cânula, visto que ocorre abundante drenagem de secreção após o posicionamento em prona. Uma segunda pessoa ficará encarregada de cuidar para que cateteres, drenos e conexões não sejam tracionados. E a terceira e quarta pessoas, posicionadas uma de cada lado do leito, serão responsáveis por virar o paciente, primeiramente para o decúbito lateral, e em seguida para a posição prona.

Os braços devem ser posicionados ao longo do corpo, com a cabeça voltada para um dos lados, e os eletrodos para monitorização cardíaca fixados no dorso. Não é necessário que se faça suspensão abdominal, já que este procedimento não traz nenhuma vantagem sobre a resposta positiva da posição.

A oxigenação pode cair durante o procedimento de virar da posição prona para a supina. Este dado não deve ser visto como falha, poisrapidamente ela deverá melhorar. Somente após 30 minutos sem melhora na oxigenação podemos considerar como potencial falha do processo e ficaratentos, aguardando uma possível resposta, por até duas horas. É importante salientar que pacientes que tiveram falha prévia podem responder em uma segunda tentativa.

Para minimizar algumas complicações, é importante, antes do procedimento, verificar se o tubo endotraqueal está posicionado 2 cm acima da Carina e fixado de forma segura; parar a alimentação enteral e constatar a presença de resíduos alimentares; assegurar-se de que todos os acessos e cateteres estão desconectados; e durante o posicionamento em prona, mudar a posição da cabeça a cada duas a quatro horas.

A incidência de complicações graves na posição prona, como extubação acidental, hipotensão severa e arritmias, são baixas, talvez devido ao trabalho dos enfermeiros e fisioterapeutas nos cuidados com o manejo dos pacientes nesta posição.

No entanto, outras complicações menos graves são mais comuns. O edema facial é a mais comum das complicações. Ulcerações cutâneas também ocorrem, freqüentemente envolvendo o queixo, orelhas, região anterior do tórax, cristas ilíacas e joelhos.

Em alguns casos, é observada dificuldade com alimentação enteral, devido a vômitos ou aumento de resíduo gástrico. Este problema pode ser contornado reduzindo-se o volume de dieta administrada e com a utilização do Trendelemburg reverso, que novamente pode ser benéfico, neste caso reduzindo o refluxo esofágico.

A obstrução de vias aéreas pode ocorrer devido ao acúmulo de secreções, mas pode ser evitada realizando-se aspirações do tubo endotraqueal com maior freqüência.

Outras complicações, como deslocamento de cateter venoso central e barotrauma devido a intubação traqueal seletiva, são raras. Apenas um único relato de ulceração infecciosa de córnea foi descrito na literatura.

Outro ponto desfavorável é que, em posição prona, a necessidade de sedação é maior, e este fato é preocupante, pois pode aumentar a ocorrência de paresias neuromusculares, que aparecem freqüentemente em pacientes graves internados nas unidades de terapia intensiva.

Apesar do papel indiscutível da posição PRONA na melhora da oxigenação arterial em pacientes com SDRA, a sua eficácia em diminuir a mortalidade ainda não foi demonstrada.

Se considerarmos a utilização da posição PRONA em termos de diminuição de mortalidade os resultados dos trabalhos publicados não recomendam a sua utilização em todos os pacientes com SDRA, mas talvez em pacientes mais hipoxêmicos
a sua aplicação possa ser benéfica.

FONTE: JORNAL BRASILEIRO DE PNEUMOLOGIA
AUTORES: KELLY CRISTINA DE ALBUQUERQUE PAIVA; OSVALDO SHIGUEOMI BEPPU